Por marcia baja, Paixão espontânea,
- Willy Mouna
- 10 de abr.
- 6 min de leitura
O que faz uma situação ser encantadora? Quando é que um encontro é encantador? Normalmente são os primeiros encontros que nos encantam, os primeiros momentos de uma situação, de um trabalho, ou as primeiras vezes que visitamos um lugar. Normalmente a primeira vez é encantadora.
E o que faz com que pessoas, lugares e situações sejam encantadores? É a abertura, o "não saber”. As surpresas são encantadoras! E o que há na surpresa que tanto nos fascina? A sensação de estarmos diante de algo misterioso, original, e com isso também nos sentirmos renovados. Passamos a ser uma novidade para nós mesmos. Gostamos dessa sensação de aventura!
E aqui há um detalhe importante: isso acontece porque a energia está disponível, não associada a uma história, não há nenhuma narrativa prévia, nenhum direcionamento específico. A abertura é maior do que o controle, o relaxamento é maior do que o esforço. Há muito mais não saber do que qualquer tipo de certeza.
Então, seria muito interessante darmos uma olhadinha em nossas vidas para vermos quantas histórias temos acumuladas a respeito de nós mesmos, das pessoas e dos lugares onde estamos. Como isso tem determinado nossa percepção da realidade? Junto a isso, seria muito bom se conseguíssemos gerar algum nível de interesse por práticas contemplativas como a meditação silenciosa, por exemplo, pois as práticas contemplativas têm o poder de nos devolver esse senso de liberdade e renovação. Refletir e meditar nos permite ver com mais clareza nossas prisões e, ao mesmo tempo, avistar a porta de saída.
Aqui, se refletimos e meditamos sobre a Paixão, reconhecemos que ela não resulta do contato com alguém ou alguma coisa, mas é uma condição de entusiasmo natural e espontâneo pela vida. E para que esse sentimento seja de fato espontâneo, precisamos aprender a nos soltar das histórias e expectativas, ver de onde nossa energia brota e flui sem esforço, independente. Vamos precisar sentir nossa vitalidade livre e disponível, como se estivéssemos nascendo de novo!
Portanto, vamos considerar aqui que a experiência da Paixão é uma expressão da nossa própria vitalidade. Se olharmos para as crianças, veremos que elas estão naturalmente eletrizadas e por qualquer coisa. Quanto mais jovem, mais a energia vital é livre, mas com o passar do tempo, vamos criando uma narrativa a respeito das situações e essas narrativas vão drenando nossa energia para terem sustentação. É por isso que parecem tão reais. Elas se nutrem das nossas emoções, da nossa vitalidade e até mesmo da saúde do nosso corpo.
Ao concluirmos algo sobre uma experiência, ocorre essa magia interna, há uma dinâmica sutil que dá vida às histórias, mesmo que elas já tenham passado, ou até mesmo a histórias que nem sequer aconteceram. Elas ganham vida porque a mente que conta essas histórias não está separada da nossa vitalidade e nem do corpo. Aquilo que pensamos e falamos imediatamente ganha vida. Portanto, há que se ter cuidado com as conclusões a respeito da vida, pois cada conclusão é um nó que bloqueia nossa energia vital, diminuindo nosso brilho e entusiasmo. Vamos nos fechando a partir das nossas ideias e tudo vai ficando mais rígido e pesado. Não estamos mais abertos e tampouco percebemos a abertura da vida.
Quando desconhecemos o funcionamento do mundo interno – da operação da mente associada à energia vital e ao corpo físico – não vemos como a realidade é construída. O que acontece é que olhamos unicamente para fora enquanto coisas super importantes acontecem dentro também. Invertemos o lugar das coisas. Achamos que as situações externas é que determinam a nossa condição de bem-estar. Sentimo-nos entusiasmados, apaixonados, eletrizados, abertos, criativos, apenas se estivermos em alguns lugares e não em outros, se estivermos em contato com determinadas pessoas e não com outras.
E assim tudo vai ficando muito difícil porque, afinal, a vida é incontrolável. Não conseguimos ficar para sempre no mesmo lugar, nem com a mesma pessoa. E ainda bem! Mas normalmente a nossa expectativa é outra. Queremos a permanência daquilo que nos agrada. Então, o ponto aqui é: se continuarmos ingenuamente achando que paixão e entusiasmo dependem de algo externo, tudo vai se tornar muito trabalhoso e frustrante. Vamos nos desgastar e ter uma decepção atrás da outra.
A essa altura da vida é provável que já tenhamos nos apaixonado várias vezes. Já vivemos há um certo tempo, sabemos a dor e a delícia de ter vivido essas situações. E talvez tenhamos nos apaixonado bem cedo, já na infância alguém brilhou para nós parecendo super especial. Talvez até hoje tenhamos a nítida lembrança desse rosto. E se formos bons observadores e honestos, vamos perceber que desde lá nos apaixonamos por várias pessoas e situações. De tempo em tempo, algo muda e também a pessoa ao nosso lado, o brilho vai migrando e diferentes pessoas vão surgindo como seres especiais para nós. Acontece alguma coisa e de repente: “Nossa, quem é esse ser maravilhoso? Quem é essa pessoa?”. Aí passa mais um tempo: “Ops, algo mudou! Agora já é outra pessoa.” E assim segue.
Mas afinal, quem é então? Ou o que é? A verdade é que há uma dimensão interna que dá brilho às experiências, mas hoje desconhecemos completamente esse funcionamento. Precisamos de algo ou alguém para despertar nosso brilho interno. É como se, por exemplo, só pudéssemos reconhecer nossa própria orelha se alguém a puxasse. Sabemos que isso não faz o menor sentido, mas o fato é que também não faz sentido algum aguardarmos por pessoas e situações para nos apaixonarmos.
A paixão existe para além das circunstâncias e tampouco é um sentimento direcionado como costumamos imaginar. Ela não precisa de um objeto ou objetivo para existir. Ela é uma experiência natural para a pessoa que conhece o funcionamento da própria mente, da energia interna, e conseguiu liberar sua vitalidade de ideias passadas ou futuras a respeito da realidade.
Uma vez que a vitalidade esteja livre de histórias, a energia se torna muito mais aberta e expansiva, trazendo uma sensação de alegria e entusiasmo pela vida. E essa energia simplesmente vai abraçando tudo o que se aproxima. Ela flui desde dentro sem causas e preferências, não está mais no aguardo de experiências específicas. Movemo-nos apaixonados! Nossa energia, enfim, está livre. Aqui começamos a nos familiarizar com a própria potência a partir das práticas de auto equilíbrio.
Isso é muito poderoso porque as relações ocupam um lugar importante em nossas vidas. Nós nos sentimos vivos através delas, ganhamos lugar no mundo através dessas conexões. Agora imaginemos as relações nascendo desde um lugar de abertura, liberdade e paixão natural? E não só isso, mas essa abertura e encanto sendo preservados ao longo do tempo. Não seria maravilhoso? Quanto poder há nisso!
Portanto, é fundamental nos dispormos a realizar as práticas contemplativas, como a meditação e o auto equilíbrio energético. Caso contrário, vamos seguir vivendo inseguros e aflitos, sem entender por que as coisas são como são. E aqui vamos usar uma expressão especial para o nosso exercício de meditação e contemplação das relações: O Sol da Solitude. O que brilha quando começamos a nos olhar mais profundamente e a nos sentir mais inteiros?
O sol da solitude é o convite para descansarmos no chão do nosso ser. Precisamos encontrar esse chão anterior às relações, o chão próprio. Os primeiros encontros são encantadores porque cada pessoa veio caminhando e ali, naquele momento, cada um tinha o seu chão, tudo estava muito interessante. Porém, passado algum tempo, algo acontece, um pula no colo do outro e juntos logo se afundam. Ambos perdem o chão e começa toda a confusão.
É uma arte conseguir se relacionar mantendo a experiência interna da solitude – o exercício contínuo de auto-observação e equilíbrio. Normalmente o que fazemos é viver nos extremos sem nunca equilibra-los numa relação saudável. Ou nos isolamos, dizendo: “Eu já sofri demais, não quero mais saber, vou ficar só”. Ou, ainda, mergulhamos de cabeça numa relação, cegos e cheios de expectativas. Seja o que for, imediatamente esse é o nosso enfraquecimento.
É possível um lugar de mais equilíbrio: nem isolados nem grudados. Uma relação em que seres inteiros se encontram, cada um com seu chão, sabendo equilibrar suas emoções. Esse é o ponto! Precisamos reconhecer a importância desse chão. Pois só quando há chão, há espaço. E é o espaço que nos encanta e aproxima.
A relação entre esses dois elementos, chão e espaço, é muito forte e delicada. A partir do chão de cada um nasce também o espaço individual. E ao mesmo tempo há uma área de contato, uma interseção que dá origem a uma esfera coletiva, ao ambiente da parceria. Então essa é a arte: sem perder o senso da solitude, abrir-se ao campo de contato, aprendizado, troca, delícias. Mas para isso precisamos estar vividamente presentes, porque facilmente nos distraímos e tiramos as coisas do seu lugar natural. Precisamos mergulhar fundo em nosso mundo interno para ganhar autonomia de energia e, assim, nos relacionarmos com madurez e emancipação
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